A lacuna da CLT que virou oportunidade — e risco — para milhões
Um levantamento do Núcleo de Dados do Grupo ND, com base em informações do Mapa de Empresas do Governo Federal e da SUSEP mostra uma correlação direta entre o avanço do número de novos MEIs em Santa Catarina e o crescimento do mercado de seguros de pessoas. A sobreposição das curvas, feita pela reportagem, revela trajetórias praticamente paralelas.
Dados que comprovam a tendência
De 2015 a 2024, a abertura anual de novos MEIs em Santa Catarina saltou 219% — de 48.465 para 154.721. No mesmo período, o volume de contratação de seguros de pessoas — incluindo vida, acidentes pessoais e previdência — mais que dobrou, saindo de R$ 3,5 bilhões para R$ 7,9 bilhões.
Foram considerados seguros de Desemprego/Perda de Renda; Vida; Vida em Grupo; Acidentes Pessoais; e VGBL/VAGP/VRGP/VRSA/VRID/VDR — modalidades que complementam a proteção para morte ou sobrevivência e pagam o capital segurado em parcela única ou sob forma de renda.
O crescimento de MEIs concentra-se nas grandes cidades: segundo o levantamento, Florianópolis e Joinville lideram a criação de microempresas entre 2015 e setembro de 2025, com 132 mil e 111 mil novas empresas, respectivamente. Blumenau, São José e Itajaí completam as cinco primeiras posições.
Duas vidas, um abismo
As histórias de Jean Rodrigues e Aster Santana ilustram o desnível criado pela transformação do mercado de trabalho.
Motoboy há 15 anos, Jean viu a profissão se precarizar com os aplicativos. Ele define o sistema como um “leilão às inversas“, com pagamentos por quilômetro que variam entre R$ 0,20 e R$ 0,50. Com renda “totalmente imprevisível“, Jean diz que manter um seguro é “inviável“.
“É raro o motoboy que tem seguro. O cara mal consegue manter a mecânica, a manutenção, e ainda se preocupar com o seguro… é muito complicado.” Sem rede formal de proteção e exposto ao trânsito, Jean vive o que especialistas chamam de risco puro: qualquer acidente pode significar perda imediata de renda.
Do outro lado está Aster Santana, fundador da MIP Wise, onde todos os 11 colaboradores são PJs e sócios no contrato social. Na empresa, a proteção foi transformada em política interna: “A gente pensou que seria legal ter seguro de vida para todo mundo, e aí nós contratamos”. Hoje a MIP Wise oferece seguro de vida, seguro cibernético e plano de saúde — um modelo que especialistas descrevem como “CLT híbrida“.
O mercado responde — e se moderniza
Especialistas dizem que a oferta de seguros se tornou mais acessível graças à digitalização, às insuretechs e a produtos mais nichados e flexíveis. Para o planejador financeiro Thiago Paulo, a combinação de saída do regime CLT com maior acesso a produtos antes restritos explica parte do movimento.
Corretoras e gestores do setor confirmam a mudança de perfil do consumidor. Para Marcos Beber, fundador da Maxiriscos Corretora de Seguros, “Hoje vemos trabalhadores de todas as faixas de renda — do profissional liberal ao assalariado, do executivo ao autônomo — procurando esses produtos“.
O mercado também tem ampliado coberturas com benefícios de uso em vida, como antecipação de capital, cobertura para doenças graves, invalidez e diárias por incapacidade — recursos que aproximam o produto do valor percebido por famílias e trabalhadores.
O que o novo PJ pode (e deve) fazer
Especialistas apontam a educação financeira como pilar para evitar o colapso do trabalhador PJ. Thiago Paulo alerta para a “inflação do estilo de vida”: “Se o trabalhador ganhava R$ 5 mil e, na mudança de contrato, passa a ganhar R$ 8 mil, já pensa em trocar de carro, fazer uma viagem”. A sobra que deveria formar um colchão acaba virando gasto.
Thiago recomenda como primeiras medidas criar uma reserva de segurança equivalente a 3 a 9 vezes o valor das despesas mensais e ao menos uma contribuição mensal ao INSS no valor do salário mínimo, “isso garante a qualidade de segurado para auxílios e aposentadoria por invalidez“.
O economista também ressalta que muitos superestimam o custo dos seguros. Produtos de menor capital segurado — por exemplo, coberturas entre R$ 15 mil e R$ 50 mil — podem custar entre R$ 15 e R$ 20 por mês. Um DIT (Seguro de Renda por Incapacidade Temporária) básico costuma custar entre R$ 25 e R$ 60 por mês para a maioria dos trabalhadores, dependendo da idade e da atividade.
“Se sou entregador, ganho R$ 3 mil, bato a moto e quebro o braço, vou ficar uns 45 dias sem trabalhar. Com um seguro de renda, o indivíduo não fica desamparado nesse período.”
Para o trabalhador com renda irregular, a combinação recomendada por especialistas envolve três pilares: Previdência Privada (como complemento ao INSS), Seguro de Vida (para amparo familiar) e o DIT — o seguro de renda que preserva o fluxo de caixa em afastamentos temporários.
Reflexão e esperança — opinião de Leonardo de Paula Duarte
O avanço do trabalho PJ expõe uma escolha coletiva: transformar direitos em serviços pagos ou recuperar mecanismos de proteção social. Enquanto empresas responsáveis já incorporam benefícios — oferecendo uma espécie de “CLT particular” — milhões ficam à margem dessa solução.
Como cristão, creio que a dignidade do trabalho envolve responsabilidade compartilhada: empregadores, trabalhadores e sociedade devem buscar modelos que unam autonomia e segurança. A solidariedade corporativa é uma forma prática de amor ao próximo.
“Não andem ansiosos por coisa alguma, mas em tudo, pela oração e súplica, e com ação de graças, apresentem seus pedidos a Deus.” (Filipenses 4:6 — NTLH)
Um profissional informado e uma empresa ética podem transformar risco em resiliência. Se você é PJ, comece com um plano simples: formação de reserva, contribuição ao INSS e uma apólice básica de renda. Para empresários, oferecer proteção básica aos colaboradores PJ não é apenas boa gestão — é investimento em estabilidade e em propósito.
Leonardo de Paula Duarte
Fontes: levantamento do Núcleo de Dados do Grupo ND, Mapa de Empresas do Governo Federal e SUSEP; entrevistas e depoimentos colhidos pela reportagem.

