Estudo propõe substituir vale‑transporte por fundo empresarial e ampliar gratuidade em cidades médias
Uma pesquisa de universidades federais e estaduais sugere substituir o atual modelo de vale‑transporte — que prevê desconto de até 6% no salário do trabalhador — por um sistema de tarifa zero financiado por um fundo abastecido por empresas.
“A pesquisa científica Caminhos para a Tarifa Zero aponta que no lugar do desconto de 6% no salário do trabalhador e do repasse direto da empresa para o empregado, a proposta prevê que a contribuição passe a ser feita a um fundo nacional.” A proposta é dos pesquisadores da UnB (Universidade de Brasília), da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e da USP (Universidade de São Paulo).
Como seria o financiamento e quem paga
Pelo desenho do estudo, empresas públicas e privadas com a partir de 10 funcionários nas 706 cidades brasileiras com mais de 50 mil habitantes passariam a contribuir para o fundo da tarifa zero. A estimativa do grupo é que 81,5% dos estabelecimentos fiquem isentos, concentrando a cobrança em negócios de maior porte.
Segundo os pesquisadores, “a contribuição mensal seria de aproximadamente R$ 255 por trabalhador, o que geraria cerca de R$ 80 bilhões por ano.” Esse montante, na conta do estudo, seria suficiente para custear a gratuidade do transporte coletivo urbano nessas 706 cidades — hoje o custo estimado do sistema de transporte público no país é de cerca de R$ 65 bilhões por ano.
O modelo também mudaria a relação entre empresa e trabalhador. Hoje, “o vale‑transporte funciona com desconto de até 6% no salário do trabalhador, enquanto o empregador complementa a diferença até o valor total gasto com deslocamento.” No novo desenho, a contribuição deixaria de ser individual e passaria a ser coletiva, paga diretamente ao fundo.
Como exemplo operacional, “Um dos autores, o professor Thiago Trindade, da UnB, explica que a fórmula de contribuição varia conforme o porte da empresa. Em um exemplo citado no estudo, um estabelecimento com 10 funcionários contribuiria com o equivalente a um trabalhador; com 20 funcionários, com o valor referente a 11, e assim sucessivamente.”
Quem ganha e quem perde na proposta
Os autores afirmam que a principal mudança para os trabalhadores seria a eliminação do gasto direto com passagem de ônibus, liberando renda para outras despesas e potencialmente aumentando consumo e arrecadação local. O estudo calcula que, apenas no Distrito Federal, a implantação poderia colocar cerca de R$ 2 bilhões por ano na economia local.
Do ponto de vista empresarial, a cobrança concentrada em empresas maiores e a possibilidade de custos equivalentes ou inferiores ao que já se gasta com vale‑transporte são argumentos centrais do relatório. Ainda assim, o desenho final dependereria de regras técnicas e de negociação com o setor privado.
Impactos no trânsito, saúde e gastos públicos
Os pesquisadores apontam efeitos positivos além da renda: maior uso do transporte coletivo poderia reduzir congestionamentos e acidentes. Como referência, o estudo cita levantamento do Ipea que mostra o aumento da participação de motos nas mortes por acidentes de trânsito, além de dados sobre internações e custos hospitalares.
Os autores sustentam que a tarifa zero teria características de política de distribuição de renda em larga escala: ao reduzir o peso do transporte no orçamento das famílias, especialmente de baixa renda, poderia alongar o tempo de permanência no mercado de trabalho e aumentar a produtividade, com reflexos na arrecadação tributária.
Implementação e debate político
O estudo, financiado pela Frente Parlamentar em Defesa da Tarifa Zero, defende que o novo modelo possa ser implementado sem uso de recursos do governo federal e “sem criação de novos impostos”. Também propõe que “já em 2026, sejam iniciados projetos‑piloto em algumas regiões metropolitanas, para testar o modelo de financiamento e o impacto na operação do transporte coletivo.”
Atualmente, 137 municípios brasileiros já oferecem algum modelo de transporte público gratuito. A proposta dos pesquisadores ampliaria a gratuidade para atender cerca de 124 milhões de pessoas que vivem em cidades com mais de 50 mil habitantes. Ainda assim, a criação do fundo dependeria de iniciativa do governo federal e de aprovação pelo Congresso.
Reflexão final (por Leonardo de Paula Duarte)
Debates técnicos e políticas públicas que alteram a vida cotidiana das pessoas pedem tanto clareza quanto compaixão. A proposta de tarifa zero, ao prometer alivio financeiro para milhões de famílias e reduzir riscos no trânsito, coloca em evidência valores sociais que também têm ressonância cristã: justiça social e cuidado com o próximo.
Como lembra a Escritura, “Aprendam a fazer o bem; busquem a justiça; ajudem o oprimido; defendam os direitos do órfão; tratem com justiça a causa das viúvas.” (Isaías 1:17, NTLH). Essa orientação não substitui análises técnicas, mas aponta um princípio ético útil: políticas públicas bem desenhadas devem proteger os mais vulneráveis e promover o bem comum.
Do ponto de vista prático, a proposta precisa passar por testes operacionais e por um debate democrático que esclareça custos, beneficiários e trade‑offs. Enquanto repórter e colunista, vejo esperança na possibilidade de combinar eficiência econômica com justiça social — e na responsabilidade coletiva de transformar ideias em soluções reais.
Leonardo de Paula Duarte

