Lula: funcionamento do G20 ‘está ameaçado’ após boicote dos EUA; quase metade do mundo gasta mais com dívida do que com saúde

Presidente defende reunião ampla do G20 e pede soluções conjuntas para crise de energia, alimentos e dívida

Em discurso proferido na cúpula do G20 em Joanesburgo, na África do Sul, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva alertou para o risco de perda de relevância do bloco depois do boicote dos Estados Unidos aos debates. Segundo Lula, o grupo só continuará significativo se mantiver “diálogo amplo entre países desenvolvidos e emergentes”.

Sem citar o país pelo nome, o presidente afirmou que o funcionamento do G20 como espaço de coordenação internacional “está ameaçado“. A decisão de Washington de não participar formalmente foi tomada após o presidente norte‑americano, Donald Trump, afirmar que “sul‑africanos brancos estariam sendo mortos e tendo terras confiscadas ilegalmente“, alegações rejeitadas com veemência pelo governo da África do Sul.

Representação americana e transição da presidência

Com a ausência de alto escalão dos EUA, o país será representado apenas pelo encarregado de negócios da embaixada em Pretória, Marc Dillard, na cerimônia de domingo em que a África do Sul entrega a presidência rotativa do G20 aos Estados Unidos. Os EUA assumem oficialmente o comando em 1º de dezembro.

Desafios apontados por Lula: guerra, desigualdade e dívida

No pronunciamento, Lula citou o impacto da guerra na Ucrânia sobre cadeias de energia e alimentos e mencionou as dificuldades estruturais da América Latina e do Caribe. O presidente chamou atenção para problemas que, na sua visão, já configuram ameaças sistêmicas: desigualdade extrema e sobrecarga de dívidas públicas.

Em números destacados pelo próprio presidente, “quase metade da população mundial vive em países que gastam mais com o serviço da dívida do que com saúde ou educação“, argumento usado para defender mecanismos que permitam trocar dívidas por investimentos em desenvolvimento e ações climáticas.

O que está em debate na cúpula

A cúpula, que termina no domingo, trata de temas centrais como crescimento econômico sustentável, comércio internacional, financiamento para o desenvolvimento e o endividamento dos países mais pobres. Criado em 1999, o G20 reúne 19 nações — entre elas Brasil, Estados Unidos, China, Índia e Alemanha — além da União Europeia e da União Africana.

Para Lula, a continuidade do G20 depende de sua capacidade de manter um espaço de coordenação que acolha as vozes dos países emergentes e desenvolvidos. Sem essa convergência, disse ele, há risco de o grupo perder capacidade de atuação.

Reflexão cristã — Leonardo de Paula Duarte

Como coluna assinada por Leonardo de Paula Duarte, vejo no alerta de Lula um chamado à responsabilidade comum. Em tempos de polarização internacional, a vocação para o diálogo é um componente essencial da paz e da justiça global.

Recordo uma palavra que nos convida à reconciliação e à construção conjunta: “Felizes os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus.” (Mateus 5:9 NTLH). A fé nos inspira a cuidar dos mais vulneráveis e a buscar soluções que priorizem saúde, educação e dignidade humana.

O desafio colocado em Joanesburgo não é apenas diplomático: é moral. Se quase metade da população mundial vive sobre o peso do serviço da dívida em detrimento de direitos básicos, é legítimo que o G20 busque mecanismos práticos para aliviar essa pressão e direcionar recursos para desenvolvimento e clima.

O apelo por reformas nas normas e instituições internacionais e pelo tratamento da desigualdade como emergência global tem respaldo na urgência dos fatos apresentados na cúpula. Resta agora aos líderes transformar palavras em acordos concretos.

Leonardo de Paula Duarte é colunista e repórter. Escreve sobre política internacional com ênfase em ética pública e desenvolvimento.

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