Acusações descrevem padrão sistemático de “submissão química” e controle durante processos seletivos
Mais de 240 mulheres aparecem em uma investigação que acusa o representante de Recursos Humanos Christian Nègre, do Ministério da Cultura da França, de dopá-las durante entrevistas de emprego ao longo de cerca de nove anos. O caso, revelado em 2018, expõe um método repetido: oferecer bebidas adulteradas e forçar caminhadas longe de banheiros até que as vítimas tivessem reações fisiológicas incontroláveis, enquanto o acusado registrava as reações.
O relato de uma vítima: humilhação e sequelas
Uma das denunciantes, Sylvie Delezenne, hoje com 45 anos, contou ao jornal The Guardian que sonhava trabalhar no ministério e foi contactada por Nègre em 2015 via LinkedIn. Ela descreve que, logo ao chegar, o recrutador lhe ofereceu café. Sylvie disse que apertou o botão da máquina para escolher a bebida, “mas foi o recrutador quem retirou o copo e o entregou minutos depois, após ter se afastado para cumprimentar um colega”.
Em seguida, Nègre sugeriu que a entrevista continuasse passeando pelos Jardins das Tulherias. Durante o passeio, Sylvie relatou sintomas que incluíam tremores, suor intenso, palpitações e uma necessidade urgente de ir ao banheiro. Ela pediu uma pausa, mas “Nègre ignorou”. Desesperada e sem condições de seguir, acabou se agachando perto de um túnel próximo ao Rio Sena. “Ele se aproximou, tirou o casaco e disse: ‘Eu te cubro’. Eu achei aquilo muito estranho”, disse ela.
De volta ao lar, percebeu sede extrema e os pés tão inchados que chegaram a sangrar. Por anos, Sylvie acreditou que o episódio fora culpa sua e evitou Paris e processos seletivos. “Eu tinha pesadelos e acessos de raiva. Me sentia inútil”, relatou.
Método descrito pelas vítimas e evidências
Segundo as investigações, o padrão se repetia: Nègre oferecia café ou chá adulterado com um diurético forte e ilegal. Depois conduzia as candidatas a áreas externas, longe de qualquer banheiro, prolongando a conversa até que a necessidade fisiológica se tornasse incontrolável. Muitas mulheres acabaram urinando em público, envergonhadas e expostas, enquanto o recrutador registrava reações e, em alguns casos, tirava fotos.
O caso veio à tona em 2018, após uma colega denunciar Nègre por tentar fotografar as pernas de uma mulher dentro do escritório. A investigação encontrou um documento intitulado “Experiências“, no qual ele anotava datas, reações das vítimas e imagens. A polícia apreendeu uma lista com nomes e fotografias que incluía várias vítimas.
Investigação, medidas administrativas e andamento judicial
Em 2019, Nègre foi afastado do ministério e proibido de ocupar cargos públicos. Ele se tornou réu por uma série de crimes, entre eles a administração de substâncias ilícitas com intenção de agressão sexual. Apesar das provas reunidas pela polícia e dos depoimentos, relatórios indicam que o caso não avançou de forma decisiva na Justiça francesa desde 2018.
A advogada que representa parte das vítimas, Louise Bériot, afirmou: “Não se trata apenas de uma fantasia sexual. É sobre poder e domínio sobre os corpos das mulheres por meio da humilhação e do controle”. O caso também evocou comparações com outros episódios de “submissão química” na França, como o de Gisèle Pelicot, drogada por anos pelo marido e entregue a desconhecidos.
O que permanece e por que o caso importa
Os relatos expõem um crime que mistura agressão psicológica, física e invasão de privacidade. Além do dano individual — traumas, perda de confiança e impacto profissional —, o episódio levanta questões sobre procedimentos de segurança em recrutamento, proteção de candidatas e a necessidade de respostas rápidas e eficazes por parte das instituições públicas.
Do ponto de vista jornalístico, trata-se de um caso de alto interesse público: envolve um representante do Estado, um padrão documentado de violência e a aparente lentidão do sistema judicial em transformar investigação em julgamento e responsabilização.
Reflexão cristã e chamada à justiça — por Leonardo de Paula Duarte
Como cristão e jornalista, não apenas relato os fatos, mas também convido à compaixão e à defesa dos vulneráveis. A Bíblia nos lembra a responsabilidade de zelar pelos que não têm voz: “Abra a boca a favor dos que não podem se defender, defenda os direitos de todos os pobres” (Provérbios 31:8-9, NTLH).
É legítimo exigir que instituições públicas investiguem com rigor, protejam vítimas e promovam medidas para evitar que abuso de poder e humilhação se repitam. A fé nos chama a buscar a verdade e a justiça, agindo com esperança prática por mudanças que devolvam dignidade às vítimas.
— Leonardo de Paula Duarte
Fontes: relatos e investigação publicados em The Guardian e reportagens que trouxeram à tona o documento “Experiências”, os depoimentos de vítimas e a posição da defesa representando parte das denunciantes.

