Teologia e arte literária no debate eclesial

Teologia e arte literária no debate eclesial

Luís Oliveira Freitas

Doutorando em Teologia, PUC-Rio, e professor.

Os saberes religioso/teológico e artístico/literário existem desde tempos remotos, ganhando seus contornos mais expressivos a partir das civilizações da Antiguidade, particularmente a greco-romana. A religião, por ter o objetivo de propiciar a comunicação entre o ser humano e a divindade, constrói um conhecimento mais sistematizado para expressar melhor essa realidade, é a teologia em si. A arte também estabelece um tipo de comunicação, mas isso ocorre se valendo da beleza, a fim de transmitir ideias, sentimentos e emoções que engrandeçam o espírito humano. Embora teologia e literatura tenham em comum muitos aspectos, sobretudo, o fato de serem formas de linguagem capazes de transcenderem essa realidade, nem sempre estão em diálogo no tocante ao debate sistematizado.

A reflexão teológica cristã se desenvolveu a partir dos escritos neotestamentários que são os primeiros textos estruturados do cristianismo. O principal objetivo desses escritos não era fazer arte poética, nem contar histórias, mas registrar o anúncio da Boa-Nova salvífica de Jesus segundo as experiências das primeiras comunidades cristãs. No entanto, os textos estão cheios de literariedade que se expressam nos variados gêneros literários como o narrativo e o poético. Tal fato se dá porque os autores parecem prolongar o estilo dos textos veterotestamentários que são ricos em narrativas, discursos e imagens poéticas metafóricas de várias formas. Os teólogos patrísticos dão continuidade à reflexão teológica do primeiro século da era cristã e, embora cultivem certo desprezo pela arte greco-romana por julgarem-na pecaminosa e enganosa, mantêm em seus escritos várias características da linguagem literária no tocante ao seu estilo como a alegoria, as imagens metafóricas e a produção poética dos hinos.

A distância entre teologia e arte literária na reflexão sistematizada foi acentuada com a Escolástica medieval de caráter racional para a qual a linguagem comparativa da poesia não deve ser empregada para a doutrina sagrada a não ser quando se trata das metáforas mais sublimes. No entanto, nessa mesma época, observa-se uma linguagem menos racional usada pelos pregadores mendicantes e os hagiógrafos que destacavam em seus sermões e narrativas os atos fantásticos dos santos.

A modernidade separou ainda mais os segmentos teológico e literário, racionalizando a linguagem do primeiro tornando-a mais científica, enquanto a literatura se fechava em seus aspectos estéticos formais. Mas, a partir do fim do século XIX e, sobretudo, no século XX, a teologia começa a sentir a necessidade de rever sua linguagem, dando-lhe caráter mais antropológica para aproximá-la do homem contemporâneo e, nesse sentido, a arte literária é vista como uma parceira ideal. Teólogos como Hans Urs Von Balthasar e Karl Rahner dentre outros foram de suma importância no diálogo entre teologia e literatura. Balthasar descobre que a fé cristã busca a verdade das coisas a fim de atingir sua beleza original que coincide com as imagens bíblicas. Rahner ressalta que para se escutar a mensagem cristã, é preciso também ouvir palavras de sentimentos que tocam o coração e não apenas as que expressam conceitos racionais.

Na América Latina, na década de 1960, os teólogos Pedro Trigo e Gustavo Gutierrez se destacam como pioneiros nesse debate teologia e literatura. Os autores pontuam que temas teológicos como a esperança, a vida eterna, o temor do inferno, a comunhão das pessoas entre si e com Deus, busca do mundo de paz e liberdade, presença da Igreja e outros encontram-se largamente presentes na literatura desse continente que pode ser interpelada pela reflexão teológica. No Brasil, há vários autores que também desenvolveram reflexões valiosas dessa interface teologia e literatura entre os quais podemos destacar Antônio Manzatto e Maria Clara Bingemer cujos estudos partem sempre do aspecto da vida humana estabelecendo caráter interrelacional entre os dois segmentos do saber.

Portanto, observa-se que já há um caminho feito no sentido de estabelecer o diálogo entre a teologia e a arte literária. Os teólogos que realizam esse debate interdisciplinar sempre ressaltam que a teologia ao se valer da linguagem literária pode se tornar menos racional e se aproximar mais da experiência humana tornando sua mensagem mais compreensiva e vivencial aos homens e mulheres de nossos tempos.

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