Breve leitura teológica da história da liturgia e da Eucaristia em dois milênios

Breve leitura teológica da história da liturgia e da Eucaristia em dois milênios

NÚCLEO DE EXTENSÃO
Coordenador: Prof. Me. Luís Freitas
MINICURSO: EUCARISTIA, MEMORIAL DO MISTÉRIO PASCAL
Palestrante: Prof. Me. Felipe Magalhães Francisco
Dia 09 de agosto de 2023

Ao lançar o olhar para as comunidades do Novo Testamento nos dois primeiros séculos do cristianismo, observamos que já há uma certa compreensão do conceito de Eucaristia, que se manifesta nos padres apostólicos e apologéticos, embora o nome em si não apareça tanto.

De acordo com os escritos lucanos, os primeiros cristãos compreendem a Eucaristia como fração do pão. Nesse primeiro momento, os cristãos ainda frequentavam ambientes religiosos judaicos como a sinagoga e o templo, mas também faziam reuniões nas casas para celebrar o memorial de Jesus. Reuniam-se para uma refeição num contexto de convivialidade e, logo após, faziam a bênção sobre o pão e o vinho e distribuíam entre si.

A Eucaristia ou ação de graças, aos poucos, ganhava sentido diferente da berakah judaica. No primeiro nível, ela era a oração de ação de graças que se fazia sobre o pão e o vinho, mas na medida em que o tempo passa, ela vai ser também o pão e o vinho eucaristianizado.

 Nas comunidades primitivas, o altar é o primeiro professor daquilo que é a fé e a vida cristã, ou seja, primeiro se reza e depois se compreende o que rezou. Havia a prática do catecumenato que consistia num período de aproximadamente três anos para o Batismo. Ser batizado implicava sério comprometimento de vida segundo o modo de Jesus, por isso o catecumenato era um processo muito exigente de acompanhamento criterioso.

Esse processo exigente ocorre até o século IV, quando ocorreram dois eventos importantes que mudam o cenário da Igreja. O primeiro deles foi a conversão do imperador Constantino ao cristianismo a partir de uma visão que teve. Este imperador publica um Edito em 313 que dá liberdade de culto aos cristãos. O cristianismo sai da clandestinidade, pois até então os cristãos eram considerados ateus porque não cultuavam os deuses romanos. A partir de Constantino, surgem as basílicas como locais de culto cristão, uma vez que isso passa a ser permitido.

O segundo evento, ainda no século IV, dá-se quando o imperador Teodósio, em 380, oficializa o cristianismo como religião obrigatória do Império Romano. A partir desse momento, todos os cidadãos romanos são obrigados a ser cristãos, caso contrário, perdiam sua cidadania.

Com a liberdade de culto e posteriormente sua oficialização, as celebrações litúrgicas passam a ser realizadas nas basílicas cheias de pompa. Os bispos também vão ter certas regalias do Estado e agora vão ser nomeados também por questões romanas. Vários símbolos romanos passam a fazer parte da simbologia cristã.

O tempo passa e a liturgia se torna mais complexa e a partir do século VIII, o rito importa mais que a vivência. No fim do primeiro milênio a liturgia acentua mais o aspecto jurídico do que o espiritual. O altar que era o primeiro professor do início da vida cristã é substituído pela sala de aula, na qual o povão não tem acesso, porque está reservada só aos teólogos que faziam parte do clero. A preocupação passa a ser o que é certo e o que é errado no ato litúrgico.

A liturgia que inicialmente consistia na ação salvífica de Deus em favor da humanidade, a partir do segundo milênio, praticamente é reduzida aos livros litúrgicos, dando-se ênfase às rubricas. Berengário de Tours, no século XI, estudioso de Santo Agostinho de modo bem radical, ao ter acesso a uma das catequeses de Santo Ambrósio que tratava da Eucaristia como símbolo de Cristo, interpretou ‘símbolo’ apenas como representação de Cristo, questionando assim o mistério da transubstanciação, gerando um sério transtorno na comunidade de fé.

Foi preciso dar respostas plausíveis a essa questão e, desse debate, nasce a Escolástica, que é uma tentativa de explicar racionalmente as verdades da fé. Antes essas verdades da fé não eram intelectualizadas, mas fruto da experiência de vida dos crentes. Um dos grandes expoentes da Escolástica, o mais conhecido, é Tomás de Aquino, que incentivou os fiéis a uma redescoberta de amor e fé na Eucaristia.

A prática da adoração do Santíssimo é cada vez mais incentivada e a santa reserva que antes era destinada à comunhão dos enfermos, é guardada no sacrário para realçar a presença eucarística de Cristo. Nesse contexto medieval nasce a festa de Corpus Christi com muita pompa.

Tudo isso vai gerar consequências positivas e problemáticas para a compreensão e vivência da Eucaristia que se torna cada vez mais complexa. Nesse contexto, os cristãos iam ao templo para assistir e não participar da Eucaristia. Os leigos não entendiam o que era celebrado e começaram a fazer outras práticas populares que mais tarde recebeu o nome de devoções populares.

No século XVI, o mundo ocidental mudou de forma significativa e, com o avanço tecnológico da época, houve a descoberta do Novo Mundo. Nesse contexto, surge também a ciência moderna, substituindo o saber filosófico vigente até então. Tudo isso provoca uma verdadeira mudança no mundo.

Neste século, ocorre a Reforma Protestante que questiona muitas práticas religiosas cristãs, inclusive a sacramental. Os reformadores não tinham uma compreensão única acerca da Eucaristia. Como resposta, a Igreja católica promoveu o movimento de Contrarreforma, cuja medida mais importante foi o Concílio de Trento (1545-1563), que determinou que o número exato dos sacramentos (sete).

O Concílio de Trento também deu bases para a teologia sacramental, fez uma uniformização da liturgia, que é a missa de Pio V ou missa tridentina. Os fiéis iam à missa mais por medo do fogo do inferno do que como participantes. Por isso, durante a missa praticavam suas devoções particulares como terço, Ofício da Imaculada, novenas aos santos, etc.

No século XVII, o bispo Jansênio quis radicalizar a teologia de Agostinho e de Tomás de Aquino, afirmando que a salvação embora fosse para muitos, não era destinada a todos. A imagem do crucificado, segundo a visão de Jansênio, retratava Cristo com as mãos para cima (acolhe muitos) e não de braços abertos para acolher todos.

Daí acentua a concepção de que quem comunga o corpo e sangue de Cristo em pecado é condenado. O sacramento da confissão seria uma necessidade constante antes de a pessoa comungar. Mesmo assim, muita gente não comungava com medo de ter esquecido algum pecado na sua confissão e ser condenado por isso. A Eucaristia se tornou cada vez mais distante da prática dos primeiros cristãos.

Em meados do século XIX, em algumas abadias europeias, surge o movimento litúrgico, que inicialmente consistia em pequenas práticas para favorecer a participação do povo na liturgia. Tais práticas foram o ponto de partida para se refletir melhor a teologia litúrgica, no sentido de beber nas fontes dos primeiros séculos. Este movimento ganha força e o Papa Pio XII já começa a introduzir algumas renovações litúrgicas que serão aprofundadas no Concílio Vaticano II, propondo uma reforma significativa da liturgia valorizando-a nos sentidos teológico e espiritual.

Prof. Me. Luís Freitas

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