Comunhão na diversidade

Comunhão na diversidade

Luis Oliveira Freitas

(Professor do IESMA e doutorando em Teologia, PUC-Rio)

Durante o mês de setembro do corrente ano, fomos agraciados por um minicurso oferecido por esta instituição de ensino superior, cujo tema foi ‘Comunhão eclesial e diversidade ministerial: uma reflexão bíblico-pastoral à luz da Carta aos Efésios’, ministrado pelo professor padre José Francisco Rodrigues Neto, professor e coordenador do curso de Teologia, do IESMA, e presbítero da Diocese de Bacabal, Maranhão.

Foram três encontros bastante enriquecedores que trouxeram muitas luzes para a nossa vida de fé e para nossa ação pastoral evangelizadora nas comunidades eclesiais onde atuamos. No primeiro encontro, o professor fez uma contextualização geral da Carta aos Efésios apontando alguns de seus aspectos históricos, autoria, estrutura. Dentre os dados históricos, o professor situou o apóstolo Paulo nessa comunidade nos anos 50 d.C., ficando nela um certo período, embora não seja o seu fundador, atribuição que cabe a Apolo. Éfeso era uma grande cidade portuária, com grande prestígio do ponto de vista cultural, político e religioso. Era a capital da Província da Ásia Menor e abrigava o templo dedicado a Ártemis, uma das sete maravilhas do mundo antigo.

No entanto, quanto à Carta em si, surge um questionamento: teria sido mesmo Paulo o autor desse escrito? Há praticamente um consenso entre exegetas modernos em afirmarem que, ainda que ela tenha sido inspirada na tradição paulina, certamente o apóstolo não tenha feito a sua redação. Isto porque, apesar de Paulo conhecer bem a vida dessa comunidade, no escrito não faz referência direta a ela, podendo assim ser endereçada a qualquer outra Igreja, os interlocutores não são interpelados como ‘irmãos’, na saudação final ninguém é citado.

No tocante à tradição paulina em si, há vocábulos próprios do epistolário de Paulo, apresenta uma temática tipicamente deste apóstolo como, por exemplo, a metáfora da Igreja como Corpo de Cristo. Mas há também algumas diferenças entre esta Carta e os outros escritos paulinos que se manifestam no vocabulário, contendo palavras que aparecem apenas nesse escrito, e na sua teologia, com abundância da concepção de Igreja definida como Corpo, nos ministérios de apóstolos e profetas como fundamentos da Igreja, na apresentação da autoridade cósmica de Cristo como cabeça da Igreja além de outros.

Provavelmente a Carta foi escrita entre os 80 e 90 da era cristã, dada a dependência de Colossenses e alguns contatos e relações com outros escritos do NT, tais como 1Pedro e Hebreus. Muito provável tenha sido escrita em Éfeso, devido à importância desta cidade como centro de uma possível escola paulina. Está estruturada em duas partes: uma teológica e doutrinal (Ef 1–3) e uma outra parte exortativa, parenética (Ef 4–6). Seu gênero literário predominante é o epistolar, seja pelo proêmio ou saudação final, seja pela relação “nós” e “vós”, embora o tom impessoal leve os autores a outras definições tais como: tratado de teologia, escrito de sabedoria, homilia, ou até mesmo uma carta aberta (encíclica).

O segundo encontro do minicurso foi dedicado à análise detalhada do capítulo 2, na parte teológica da Carta aos Efésios. Esta perícope apresenta um texto denso, trazendo uma síntese das imagens da Igreja. O capítulo é constituído de duas partes: a) vv. 1-10, que acentua a dimensão teológica ressaltando a passagem de uma situação anterior (pecado) para um tempo de graça em Cristo, pela ação divina e seus efeitos na vida concreta; b) vv. 11-22, que tratam basicamente da Igreja em Cristo apontando a situação anterior de carência, que foi satisfeita em Cristo para formar uma nova humanidade em que todos vivem em comunhão. O v. 13, “vós que outrora estáveis longe chegastes perto”, é o centro da perícope, uma tese ou afirmação que traz uma perspectiva ecumênica ao afirmar que aqueles que não estavam próximos de Deus agora participam de sua glória. A comunidade não deve esquecer que é formada por dois povos distintos, ou seja, judeus e gentios, mas agora todos participam da cidadania divina, é uma nova humanidade em Cristo.

No último encontro do minicurso, a discussão ficou em torno de Ef 4,1-16, na parte parenética deste escrito de tradição paulina. A forma exortativa já aparece no início, ao recomendar a todos uma vida de humildade, mansidão e com longanimidade, suportando-se uns aos outros, pois há um só corpo, um só Senhor, uma só fé, um só batismo e um só Deus. Esse clima exortativo permeia toda a perícope, pois chama a atenção para a vivência da tolerância, humildade e docilidade. Isso quer dizer que mesmo havendo grande diversidade de etnias naquela comunidade, todos deveriam lutar para existir uma unidade eclesial.

O texto de Efésios nos inspira para o atual contexto da Igreja sinodal, cujas diferenças ou opiniões entre as pessoas não precisam ser anuladas, mas fazê-las convergir para uma nova humanidade e identidade. É preciso haver relações entre os diversos carismas e ministérios eclesiais de forma que um não se sinta superior ao outro anulando-o. A diversidade ministerial é algo positivo que deve ser vivido em comunhão, unidade e não de forma uniforme. A diversidade dá lugar a todos, pois o que nos une é Cristo que nos chama à formação de uma nova humanidade.

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