Padre Brandt entre missão e ficção

Padre Brandt entre missão e ficção

Luís Oliveira Freitas

Professor do IESMA e doutorando em Teologia, PUC-Rio

Neste mês de outubro dedicado à animação missionária no Brasil, somos convidados a aprofundar o tema “Ide! Da Igreja local aos confins do mundo”, inspirado no lema do ano vocacional “Corações ardentes, pés a caminho” (cf. Lc 24,13-35). Os discípulos missionários hoje, embora sofram alguma confusão e desilusão como os discípulos de Emaús, ao se encontrarem com o Cristo na Palavra e no Pão da Eucaristia, também devem colocar-se a caminho para anunciar o Senhor verdadeiramente ressuscitado. É preciso que a Boa-Nova se espalhe por todo o mundo, pois os discípulos foram enviados pelo próprio Cristo a serem suas testemunhas em Jerusalém, na Samaria e nos confins da terra (cf. At 1,8).

A prática missionária não somente foi assumida pela Igreja, mas foi retratada nas artes em geral, por meio da música, dos vitrais das igrejas, ícones, esculturas e da literatura em suas formas poética, narrativa ficcional e dramática. Dentre os vários artistas que representaram a missão da Igreja nas suas obras, destacamos padre Clodomir Brandt, um presbítero maranhense ordenado em 1944, que foi pároco de Arari por várias décadas. Além de evangelizador e educador, o reverendo também escreveu obras literárias narrativas que retratam tanto a vida do povo simples do interior do Maranhão, como a ação eclesial existente nesse contexto.

Sua obra ‘Luzia dos olhos verdes’, um romance alinear, trata da vida de uma paróquia rural fictícia no interior maranhense, sem precisar sua localização exata. A narrativa se inicia com a morte de uma anciã conhecida naquela vila de Esperança por Luzia dos olhos verdes, que havia nascido ali, mas passado boa parte de sua vida em Joselândia, e só aos cinquenta anos de idade, volta novamente à Esperança onde vive até seu desenlace. Ao falecer, deixa uma caixa de madeira com uma chave ao padre João, pároco daquela vila, que ao abri-la não encontra coisas de valor material, mas uma série de manuscritos nos quais Luzia contava fatos corriqueiros de sua vida.

A trama de padre Brandt apresenta dois planos narrativos. O primeiro refere-se às atividades paroquiais de padre João como a realização das desobrigas nas comunidades distantes da matriz, prestar assistência religiosa e caritativa aos doentes, encomendar as almas à medida que algum paroquiano falece. Nos intervalos da sua missão paroquial, temos o outro plano narrativo, quando o padre lê os manuscritos de Luzia e fica sabendo o passado daquela anciã que havia marcado aquela vila por algum tempo. Ele fica sabendo que Luzia foi convidada a ser catequista ainda na adolescência, lá em Joselândia e ficou firme nessa missão até sua morte.

Luzia exerceu a sublime missão de ser anunciadora do Evangelho de Jesus tanto às crianças, nas atividades catequéticas infantis, e aos adultos, nas reflexões bíblicas. A missão de Luzia não fica limitada aos momentos de reflexão, mas se estende no testemunho de sua fé na visita às pessoas carentes, doentes ou outro tipo de dificuldade. Luzia, embora convidada à vida religiosa consagrada, não seguiu esse caminho por não sentir tal vocação. Também não aceitou a vida de mulher casada, preferiu continuar na condição de solteirona e dessa forma ficar mais disponível à missão evangelizadora e catequética participando ativamente da vida de sua comunidade eclesial.

Nesta obra, padre Brandt acentua bastante a importância do missionário na Igreja de Cristo, na ação dos personagens, sejam clérigos ou leigos, de modo particular as leigas catequistas, bastante presentes nas comunidades eclesiais maranhenses. O romance ‘Luzia dos olhos verdes’ dá ênfase ao ser missionário na Igreja local, pois todas as ações narradas acontecem no interior de paróquias rurais, seja Joselândia, seja Esperança. No entanto, nas entrelinhas do texto, podemos sentir grande sensibilidade do escritor à missão universal, pois o gesto de sair de sua comodidade, tanto em Luzia como em padre João, aponta para um sair da realidade local e dirigir-se aos confins da terra em atitude de fé, humildade, esperança, comunhão sinodal e profundo amor ao próximo para anunciar um mundo novo de paz e justiça.

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