Mês da Bíblia: finalidade, história e perspectivas

Mês da Bíblia: finalidade, história e perspectivas

Prof. Me. José Francisco (Coordenador do curso de Teologia do IESMA

Crescer na familiaridade com as Sagradas Escrituras, por meio de uma leitura assídua, atenta e respeitosa dos textos bíblicos, eis, com certeza, uma das principais finalidades do mês da Bíblia. De fato, a Bíblia é o testemunho concreto de um Deus próximo ao seu povo, que entra em diálogo aberto com a humanidade. Em uma palavra, a Bíblia manifesta a imagem de uma Deus que fala, um Deus que é linguagem, a fim de que o ser humano escute sua voz. Esta Palavra Divina se revela plenamente na Pessoa de Jesus Cristo, Palavra Eterna que assume a vida da gente.

Por isso, é importante ressaltar  que, para a fé cristã, não se trata de cultuar um livro. Como dizia o Papa Bento XVI, nós não somos a religião de um livro, mas da Pessoa, Jesus Cristo. O livro, ou melhor, os livros bíblicos, são expressão escrita deste Deus que é Pessoa e que nos fala, que se comunica conosco.

O Mês da Bíblia é, portanto, um convite para, a partir da leitura do livro, entrarmos em diálogo com Deus.

Um pouco da história do mês da Bíblia

            O Mês da Bíblia é uma iniciativa que começou na Arquidiocese de Belo Horizonte, em 1971 e foi se expandindo por todo o Brasil. Esta iniciativa, em realidade, é fruto de um conjunto de ações, tais como a Primeira Semana Bíblica Nacional, realizada no Ano de 1947. É bom lembrar ainda que neste período, em 1943 precisamente, o Papa Pio XII publicava a encíclica Divino Afflante Spiritu, que muito contribuiu para a renovação do movimento bíblico na Igreja. Além desta encíclica, o Concílio Vaticano II, em 1965, por meio da constituição dogmática, Dei Verbum, lançava as orientações fundamentais para a leitura e interpretação dos textos bíblicos dentro da dinâmica da Revelação de Deus na história.

            Todos estes acontecimentos favoreceram iniciativas de valorização e estudo sistemático das Sagradas Escrituras, assim como encorajaram ações pastorais que evidenciassem a importância fundamental da Palavra de Deus na vida da Igreja.

            Assim, cada ano se escolhe um livro bíblico para ser lido, meditado e aprofundado por meio de estudos que possibilitem maior conhecimento do contexto histórico e literário nos quais aquele livro foi escrito. Já é costume alternar entre um livro do Antigo e do Novo Testamento. Assim, ano passado, por exemplo, nós lemos o livro de Josué. Este ano, nos debruçaremos sobre a Carta aos Efésios. Isso demonstra a íntima correlação entre Antigo e Novo Testamento, pois como dizia Santo Agostinho, “O Novo Testamento está oculto no Antigo e o Antigo está patente no Novo”.

Por que o mês de Setembro

            A escolha do Mês de Setembro não é sem importância. Neste mês, no dia 30, a Igreja faz memória de São Jerônimo, padroeiro dos que se dedicam ao estudo das Sagradas Escrituras. São Jerônimo é sobretudo conhecido por ter sido o tradutor da Bíblia, antes somente escrita em hebraico, grego e uma parte em aramaico. São Jerônimo, a partido do Papa Dâmaso, empreende a tradução para o latim, com o intuito de favorecer aos fiéis o contato com o os textos bíblicos. É por isso que a tradução de Jerônimo é comumente conhecida de Vulgata, que significa popular. A Igreja desejava que o texto bíblico fosse popularizado, conhecido por todos. Como nem todo mundo conhecia as línguas nas quais os textos foram escritos originariamente, a tradução de Jerônimo para língua latina favorecia esta ampla divulgação.

            Nada melhor do que comemorar o Mês da Bíblia sob a proteção e a inspiração de São Jerônimo. Sua vida, seu esforço, sua austeridade e amor pelos textos sagrados nos encorajam a termos maior familiaridade com a Palavra de Deus, cuja revelação plena é Cristo. É por isso que dizia São Jerônimo: “Ignorar as Escrituras é ignorar Cristo”.

Por uma leitura mais respeitosa à natureza dos textos bíblicos

            Como a finalidade do mês da Bíblia é de encorajar uma ampla e profunda familiaridade com as Sagradas Escrituras, é preciso crescer numa leitura atenta, respeitosa e precisa dos textos. O grande perigo de uma leitura desrespeitosa é de querer impor aos textos bíblicos concepções pessoais e visões de mundo que não correspondem aos contextos dentro dos quais tais textos foram gestados, inspirados.

            Apontemos dois perigos imediatos à leitura bíblica. Primeiro, o fundamentalismo, que consiste em utilizar um texto bíblico para reafirmar certas opiniões e convicções pessoais. Atualmente, num Brasil polarizado e marcado por opiniões fechadas, que não aceitam o contraditório, esse tipo de aproximação ao texto bíblico é recorrente. Em certas denominações religiosas neopentecostais e em alguns seguimentos da própria Igreja Católica este tipo de leitura é costumeiramente feito. A expressão “está na Bíblia” é sintomática. Neste sentido, é preciso compreender que os textos bíblicos foram escritos a partir de certos parâmetros culturais que não são os nossos, a partir de certas concepções própria de cada tempo histórico. Sobre este ponto, é importante lembrar uma comparação feita pelo Papa Bento XVI, na sua exortação Verbum Domini: assim como Jesus Cristo se encarnou, assumindo as limitações da nossa humanidade; do mesmo modo, a Sagrada Escritura, expressão da Palavra Deus, assume as limitações da linguagem humana. Não é que a Bíblia deixe de ser Palavra de Deus, mas é preciso compreender em que sentido dizemos que ela é Palavra de Deus.

            Outro perigo é o que poderíamos chamar de “leitura emotiva”. Quando estou em alguma situação de dificuldade, abro a Bíblia de maneira aleatória para buscar alguma palavra de conforto. Como se a Bíblia fosse um livro de receita de autoajuda. Ou ainda, como se a frase bíblica fosse uma mágica para resolver meus problemas. Um versículo é retirado do seu contexto e automaticamente aplicado a uma situação pessoal. Sim, com o certeza, Deus nos fala no cotidiano da vida. O texto bíblico nos serve de inspiração para perceber como Deus falou no passado e, assim, reconhecermos sua Palavra no presente da vida. Lembremos que a Bíblia é um conjunto de livros, uma verdadeira biblioteca. Livros escritos em épocas distintas. Retirar uma frase do seu contexto é ferir a intensão da mensagem que Deus quer transmitir através de determinado escritor (hagiógrafo é o nome técnico) e de determinado texto, escrito em um contexto diverso ao nosso.    

            É sempre necessário crescer na leitura respeitosa ao texto e à sua natureza, para vencermos qualquer forma de imposição de sentido. Como nos diz um grande biblista, Carlos Mesters, “os textos bíblicos devem ser postos em seu contexto, para não serem motivos de pretextos”.

 Viver com entusiasmo este Mês da Bíblia

            Para este mês de setembro de 2023, diversas iniciativas estão sendo organizadas. Lembremos que para este ano, o livro bíblico será a Carta aos Efésios. Para tanto, muitas paróquias realizam momentos de encontros bíblicos, seja nas famílias, com os círculos bíblicos em família, seja por meio de cursos bíblicos, para aprofundar o conteúdo do livro bíblico sugerido.

            Além disso, este ano, nossa faculdade católica, IESMA, vai oferecer um minicurso sobre a Carta aos Efésios, com emissão de certificado ao final do percurso. O minicurso terá como tema: Unidade eclesial e diversidade ministerial: uma leitura exegético-pastoral da Carta aos Efésios. Será também uma ocasião de aprofundamento.

            O importante é crescer na capacidade de compreensão dos textos bíblicos e de cultivar uma mais profunda e assídua familiaridade com os textos da Bíblia.


VIA JORNAL DO MARANHÃO

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